Em um discurso repleto de dados históricos, o vereador Xandó (PT) utilizou a tribuna no dia 21 de março, Dia Nacional das Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, para denunciar a persistência do racismo e da intolerância religiosa no Brasil e, em especial, em Vitória da Conquista. O parlamentar, que também é ogã do Ilé Àse Èfòn Yèyé Omi Titun, fez um retrospecto histórico e trouxe exemplos recentes de discriminação contra as religiões de matriz africana.
Xandó iniciou seu discurso lembrando que a data foi instituída por lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de autoria do deputado federal Vicentinho (PT). Ele destacou que, apesar dos avanços legais, as religiões de matriz africana continuam sendo alvo de discriminação e violência. O vereador citou casos recentes que ilustram essa realidade, como o de uma escola que impediu uma estudante de assistir às aulas por estar vestindo roupas de candomblé, um motorista de aplicativo que se recusou a transportar uma família com trajes religiosos, e a destruição de um terreiro de Xangô em Vitória da Conquista em 2023.
Além disso, Xandó mencionou casos de restrições impostas por prefeituras, como a de Minas Gerais, que renovou o alvará de um terreiro de Umbanda com restrições religiosas, e a proibição de advogados de atuarem em tribunais por usarem trajes de candomblé. "Essa é a realidade do nosso país, essa é a realidade da nossa cidade", afirmou o vereador.
O parlamentar fez um resgate histórico para explicar as origens da intolerância religiosa no Brasil. Ele lembrou que, durante o período colonial e imperial, os negros escravizados eram proibidos de professar sua fé. Mesmo após a abolição da escravidão, em 1888, o Código Penal de 1890 criminalizava práticas como o espiritismo, a magia e o uso de talismãs, considerados "crimes contra a saúde pública". "Quem aqui nunca tomou um chá para cuidar das suas moléstias? Quem nunca botou um mastruz na sua ferida? Isso era crime", questionou Xandó.
Ele também citou o Código de Posturas da Imperial da Vila da Vitória, de 1842, que proibia "cantorias e rezas fúnebres em altas vozes depois das nove da noite" e o uso de "sambas e batuques". Mesmo no século XX, durante a gestão do prefeito Gerson Sales, em 1954, o Código de Posturas da cidade proibia "batuques, sambas e candomblés" sem licença das autoridades, enquanto bailes e reuniões familiares eram permitidos. "Mas o que é o candomblé, o que é o samba, se não a grande reunião familiar?", indagou o vereador, destacando a discriminação racial e religiosa que persiste até hoje.
A luta pela igualdade religiosa
Xandó destacou que, apesar das garantias constitucionais de liberdade religiosa, as religiões de matriz africana continuam sendo alvo de perseguição. Ele lembrou que, na Bahia, vigorou um decreto que exigia alvará de registro e licença da polícia para o funcionamento de terreiros. "Essa é a história da perseguição às religiões de matriz africana no Brasil. A única religião que foi crime no Brasil. Nenhuma outra foi", afirmou.
O vereador também criticou projetos de lei que visam combater o "aviltamento à fé cristã", questionando quantas igrejas ou templos evangélicos foram destruídos em Vitória da Conquista. "Mas terreiro aconteceu agora em 2023. É disso que nós estamos passando", disse, referindo-se ao recente caso de destruição de um terreiro na cidade.
Conquistas e homenagens
Xandó celebrou algumas conquistas recentes, como uma decisão judicial histórica obtida em 2022 que impediu a prefeitura de cobrar IPTU dos terreiros. Ele destacou o trabalho de sua assessoria em parceria com a articulação de terreiros do município para alcançar essa vitória.
O vereador também homenageou os ancestrais e líderes religiosos que resistiram à perseguição ao longo dos anos, citando nomes como Pai Antônio de Borocó, Mãe Lucília, Mãe Maria de Braulino, Mãe Vitória de Petu, Pai Zé Pequeno, Mãe Maria Tupinambá, Mãe Tilinha e Pai Maron. "Saúdo aqui a memória dos nossos ancestrais", disse Xandó.
Conclusão e mensagem de resistência
Ao encerrar seu discurso, o vereador deixou uma mensagem de resistência e esperança. "Eu encerro aqui deixando o meu motumbá, meu okolofé, meu mukuiu, e a bênção aos meus mais velhos e aos meus mais novos. E que esse dia de tradições de matriz africana e de candomblé seja de muito axé para quem é de axé e para outros que tenham a sua fé", disse Xandó, finalizando com uma saudação a Oxalá.
Por Fábio Sena