Câmara Municipal de Vitória da ConquistaSessão EspecialNotíciaLuis Carlos DudéLúcia RochaMárcia Viviane
01/10/2021 13:59:00
A Câmara Municipal de Vitória da Conquista realizou nesta sexta-feira, 1º, uma Sessão Especial para debater o feminicídio e o combate a esse crime que tem ceifado, no Brasil, a vida de uma mulher a cada 6 horas e meia. O debate foi uma iniciativa das Comissões de Direitos Humanos, Cidadania e Defesa da Mulher em conjunto com a Comissão de Saúde e Assistência Social, sendo aprovado por todos os vereadores.
Ao abrir a Sessão Especial, o presidente da Câmara Municipal, vereador Luís Carlos Dudé (MDB), reafirmou o compromisso do Poder Legislativo no combate à violência contra a mulher. “Nossa grita daqui pra frente será pela implantação de uma secretaria específica para tratar de políticas públicas de proteção à mulher”, afirmou o presidente, pedindo o apoio das vereadoras Lúcia Rocha (MDB) e Viviane Sampaio (PT) para essa pauta.
Antecedendo o debate, um minuto de silêncio foi realizado em memória a Sashira Camilly Cunha Silva, de 19 anos, morta pelo ex-namorado e mais dois colegas, em Vitória da Conquista, no dia 19 de setembro. A homenagem se estendeu a todas as mulheres vítimas de violência.
“Por isso, sou e sempre serei, onde eu estiver, o grito das famílias por justiça” - A vereadora Viviane Sampaio (PT), proponente da Sessão Especial, afirmou que a comoção social gerada por esse crime fez por entender que a Câmara possui o papel importante de trazer para o debate a necessidade de se falar contra o feminicídio e contra qualquer tipo de violência contra a mulher. Viviane chamou a atenção para a obrigação do estado como responsável por coibir e erradicar a violência contra as mulheres. “É preciso criar e consolidar políticas públicas. É necessário orçamento, projetos, programas de proteção e educação, e principalmente vontade política”, afirmou Sampaio.
A vereadora destacou sua posição enquanto parlamentar nesta Casa e a considerou como simbólica, em vista do contexto político nacional e do aumento do número de crimes contra mulheres, considerando como simbólico. “É simbólico porque sou e sempre serei a voz calada de Jéssica, de Ana Luísa, de Sashira, de Ana Marta e de todas as mulheres que tiveram suas vidas interrompidas pela barbaridade de quem não sabe o que é amar”, disse Viviane Sampaio. “Por isso, sou e sempre serei, onde eu estiver, o grito das famílias por justiça”, finalizou.
Violência contra a mulher é revoltante - A vereadora Lúcia Rocha (MDB) avaliou que os casos de violência contra a mulher são revoltantes. “Quero expressar minha revolta e indignação com os casos de feminicídio que vêm acontecendo em nossa cidade”, disse. “Temos violadas, nossa vida, segurança e dignidade. Agressores se acham no direito de nos tirar a vida apenas pelo fato de sermos mulheres”, completou Rocha.
A parlamentar reconheceu ainda os avanços e a contribuição do trabalho realizado pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), mas ponderou que mais avanços ainda são necessários. “Avançamos nas políticas voltadas para a defesa da mulher e aqui quero registrar o brilhante trabalho que a Deam, na pessoa da delegada Doutora Gabriela de Diego Garrido, vem prestando em Conquista na defesa da mulher. Mas precisamos avançar ainda mais. A mulher precisa ter seus direitos garantidos não apenas no papel, mas na realidade do seu dia a dia”, disse Lúcia. “Essa luta é de todos”, emendou.
Combate à violência doméstica deve ser compromisso de todos – A defensora pública Flávia Coura, responsável pela 13ª DP – Família e Violência Doméstica/ Defesa da Mulher (vítima), lamentou todas as vítimas de feminicídio. Ela frisou que o feminicídio é fruto de um ciclo de violência e que seu combate passa pela interrupção desse processo. “É preciso um envolvimento de toda a sociedade”, alertou.
A defensora explicou que Conquista conta com uma sólida rede de atendimento às mulheres vítimas de violência, “o que é raro em nosso país”. Flávia afirmou que a violência contra a mulher não vai acabar com ações pontuais, mas com o fim da cultura machista da sociedade. Ela propôs uma série de ações para serem executadas em âmbito municipal: cumprimento de um protocolo estadual para combate a este tipo de violência; promoção e realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher dentro das escolas, como prevê a Lei Maria da Penha; integrar os agentes de saúde na rede de proteção, já que são agentes públicos que têm contato direto e constante com as famílias; incluir mulheres vítimas de violência em programas de inclusão socioeconômica.
“A vida dos homens vale mais que a vida das mulheres” - A titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM), delegada Gabriela Garrido, lembrou que a violência contra a mulher decorre de uma estrutura culturalmente construída para que as mulheres sejam objeto de submissão dos homens. Nesse sentido, cobrou mudanças legislativas, ressaltando a importância da tipificação específica do feminicídio.
A delegada destacou números da violência contra mulheres em Vitória da Conquista. “De setembro de 2020 a setembro deste ano, foram registradas 1.920 boletins de ocorrências, foram solicitadas 776 medidas protetivas de urgência e foram remetidos 4.305 inquéritos policiais à Justiça”, informou a delegada. Gabriela lembrou que os feminicídios tentados ou consumados merecem uma atenção especializada, ressaltando o enfoque de gênero e o acolhimento da família da vítima. “A violência contra as mulheres é extremamente cruel e atinge mulheres de todas as faixas etárias, todas as etnias, religiões, profissões e classes sociais”, pontuou.
“Que esse seja o início de grandes debates nessa questão da violência doméstica” - A Presidente do Conselho da Mulher, Maria Otília Soares, fez um paralelo histórico com os costumes gregos e romanos, destacando que a sociedade atual herdou costumes desse período e vive até hoje com a ideia de que a mulher é um ser inferior, criado para obedecer ao homem e satisfazer as suas necessidades, sendo punida quando isso não acontece. Otília questionou a impunidade e, em decorrência disso, afirmou que o agressor se sente com o aval do estado para promover a violência contra a mulher.
Maria Otília ressaltou que toda vez que morre uma mulher, a sociedade grita e fala, mas somente isso, tornando-se estatística. Soares parabenizou a Câmara pela sessão especial e destacou que esta é uma Casa de representantes do povo e todas as políticas que se fizerem necessárias para combater o feminicídio devem ser discutidas e debatidas neste local, sendo esse o início de grandes debates sobre a questão da violência doméstica, de forma que seja possível combater todas as formas de agressão contra as mulheres e evitar mais óbitos.
Vítimas precisam ser acolhidas – Vítima de violência, Naiara Benício apontou para a necessidade de destinar acolhimento às mulheres. “São diversos motivos que levam a mulher a se calar. Quando a mulher fala que sofreu um abuso, ela precisa ser acolhida”, destacou Naiara. “A relação abusiva começa de forma sutil, vai invadindo a vida da gente”, continuou ela, ressaltando que na maioria das vezes as vítimas sequer percebem os primeiros sinais de um relacionamento abusivo.
Ela defendeu que as mudanças devem ser reforçadas pela educação. “Que a gente possa educar nossos filhos para que a situação comece a mudar desde cedo”, apontou. Naiara disse ainda que está disposta a se expor em busca de que outras mulheres deixem de ser vítima de violência. “Eu estou aqui me expondo e me colocando à disposição para falar quantas vezes forem necessárias. Eu quero que isso acabe. Parem de nos matar”, pediu Naiara Benício.
Caso se arrasta há 13 anos sem solução – Graciele Souza, sobrinha de Ana Marta Santana Gomes, cobradora de ônibus assassinada em 25 de julho de 2008, em um ponto de ônibus, cobrou justiça. Ela estava grávida de cinco meses quando foi morta por dois homens que teriam sido contratados pelo marido dela, com quem foi casada por 15 anos. “São 13 anos de ausência”, lamentou Graciele.
A sobrinha de Ana Marta relatou, perplexa, que o suspeito de ser o mandante ficou preso por apenas 28 dias e ao ser solto fez um churrasco para comemorar a liberdade. O processo segue em fase de audiência, enquanto o ex-marido se casou novamente e retomou o trabalho, “porque as pessoas não acreditavam que ele havia mandado matar a esposa”. Ela frisou que “ele vive a vida dele como se nada tivesse feito”. Graciele pediu que “crimes como esse não caiam no esquecimento. Que crimes como esse tenham justiça”.
“Por mais que sejamos maioria, ainda somos tratadas como minoria” - Representando a Secretaria Estadual de Politicas Públicas para Mulheres, Uiara Lopes lamentou a representatividade que a sociedade insiste em oferecer à população feminina. “Somos 64% da sociedade brasileira e parimos os outros 46%. Por mais que sejamos maioria, ainda somos tratadas como minoria nessa sociedade”, lamentou. Uiara destacou a violência praticada contra a mulher, ressaltando a impunidade dos agressores. “Precisamos entender e assegurar que o algoz pague pelo crime que cometeu. O feminicídio não atinge só as mulheres. Deixa filhos órfãos e muitos pais numa lógica inversa”, afirmou. Ela finalizou destacando o protocolo que padroniza a investigação de feminicídio adotado na Bahia desde dezembro de 2020. “O Protocolo do Feminicídio padroniza os diversos procedimentos entre os vários órgãos responsáveis pela investigação e aplicação da justiça nos casos de mortes violentas de mulheres motivadas por razões de gênero”, explicou. Ela encerrou sua participação reivindicando a implantação de uma secretaria específica para tratar de políticas públicas de proteção a mulheres em Vitória da Conquista.
“Mesmo diante dessas conquistas legais, e ainda que tenhamos evoluído muito e conquistado de fato vários espaços, dentro de casa pouca coisa mudou e os dados nos mostram isso” - A representante da Coordenação de Políticas para Mulheres do Governo Municipal, Dayana Evelinne, discursou nesta Sessão Especial e chamou a atenção de todos para o caráter de opressão duradoura que as mulheres vivenciam de forma individual, isoladas, no âmbito do lar. “Se faz necessário trazer para o espaço político, para a esfera pública, tais questões que antes eram invisibilizadas, tratadas no particular, como o dito popular ‘entre quatro paredes’”, afirmou Dayana.
Evelinne também destacou as conquistas através da Lei Maria da Penha, Lei do Feminicídio e Lei da Importunação Sexual, mas que mesmo diante dessas conquistas legais e ainda que as mulheres tenham evoluído muito, dentro de casa pouca coisa mudou, com os dados provando esse ponto.
Dayana reafirmou todo o compromisso do Governo Municipal e da prefeita Sheila Lemos (DEM) com relação à pauta das mulheres e destacou iniciativas tomadas pela prefeitura para equipamentos públicos como o Centro de Referência da Mulher, a Sala da Mulher Empreendedora, o Completo de Escuta Protegida, entre outras iniciativas que formam Rede de Proteção e Atenção à Mulher em Vitória da Conquista.
É preciso evitar novas vítimas - Célio Barbosa, padrasto de Sashira Camilly Cunha Silva, vítima recente de feminicídio, disse que a luta atual de sua família não conseguirá trazer a vítima de volta ao convívio familiar, mas evitará que outras mulheres e famílias sofram com a mesma dor. “Não traremos mais nossa filha de volta. A luta nossa é para que outras famílias não passem pelo que a gente está passando”, disse ele. “Não vamos deixar que Sashira seja mais uma inscrita em uma estatística tão horrível. Tenho certeza que vamos lutar. Essa luta não vai se perder no tempo. A gente vai conseguir salvar outras pessoas, outras famílias”, completou.