29/03/2016 20:00:36
A Educação no campo foi tema de Audiência Pública realizada na tarde dessa terça-feira (29) na Câmara Municipal de Vitória da Conquista (CMVC) e contou com a participação de pessoas envolvidas com o tema proposto: Professora Fátima Moraes da UESB; Shirley Lauria, representando a secretaria municipal de educação; Professora Arlete Ramos, representando a UESC; Professora Luciene Silva; Edna Azevedo, do conselho municipal de educação; José Ronaldo do MST; Geanne Oliveira representando o sindicato dos professores municipais; Jocione Prado do conselho tutelar rural; Professor João Pascoal, do fórum educação no campo; Karina Meira, do projovem urbano; José Carlos do conselho regional, além dos vereadores proponentes da sessão, Coriolano Moraes e Júlio Honorato , ambos do PT.
[caption id="attachment_10626" align="alignright" width="300"] Júlio Honorato[/caption]A sessão foi aberta pelo vereador Júlio Honorato, que explicou a importância de se debater a educação no campo: “levantar essa temática tão necessária e importante que é a educação do campo servirá para nos ajudar a solucionar problemas existentes nessa área”. Ele lembrou que foi provocado pela professora Luciene Rocha “que solicitou essa audiência uma vez que ela está pesquisando a temática e não tivemos duvidas de que deveríamos realizar essa sessão [Júlio Honorato e Coriolano Moraes]. O que queremos é fazer um bom debate e sair com encaminhamento necessário para sairmos daqui com soluções”, concluiu.
[caption id="attachment_10627" align="alignleft" width="300"] Luciene Rocha[/caption]A professora, mestranda e pesquisadora, Luciene Rocha, apontou dados colhidos durante a sua pesquisa que investiga a implementação das ações que se aproximam das Diretrizes Operacionais da Educação no Campo, pela Secretaria Municipal de Educação de Vitória da Conquista. De acordo com Luciene, atualmente há um distanciamento entre as diretrizes e a prática em Vitória da Conquista. “Nas análises que a gente vem fazendo, a gente percebe uma indefinição de metodologia, de uma metodologia específica para o campo, principalmente para atuar nas escolas multisseriadas”, apontou a pesquisadora. Luciene defendeu a criação de um Fórum Municipal de Educação. “A gente percebe que em nosso município não tem um Fórum de Educação, principalmente de educação no campo”, observou. “É importantíssimo o Conselho Tutelar estar dentro desse fórum, o Projovem, o Conselho Municipal de Educação, o Simmp, o Ministério Público. É preciso que a gente possa ser um fórum propositivo, e que possa monitorar as ações que o poder público vem implementando nesse município em relação à educação no campo que ainda é visto como educação voltada para o espaço do atraso, para o espaço da inferioridade e a gente tem que entender que a educação tem que ser vista como uma prática social”, completou ela.
[caption id="attachment_10628" align="alignright" width="300"] Geanne Oliveira[/caption]A presidente do SIMMP, Geanne Oliveira, sublinhou que a grande extensão rural do município são para as políticas de educação no campo. Para ela, a diversidade dessas localidades requer múltiplos olhares dos gestores, já que cada comunidade possui peculiaridades que precisam ser respeitadas. Segundo Geanne, é necessário traçar um programa que respeite essas particularidades e, ao mesmo tempo, seja claro, para que possa ser executado. “Infelizmente, o que a gente tem visto hoje é uma escola no campo urbana. Infelizmente, quando a gente vai para as escolas, o que a gente vê é uma urbanização da educação no campo”, afirmou. A presidente lamentou que o tema avançou pouco na discussão do Plano Municipal de Educação (PME), ocorrida ano passado. “As pessoas deram pouca importância à discussão da educação no campo. Não exatamente por quem estava ali. Mas, as pessoas não trataram a educação no campo no PME como ela merecia ser tratada”, disse. Ainda assim, Oliveira ressaltou a importância do plano para este debate. “Existe uma referência nacional, uma orientação nacional e o plano, ele é decenal. Então, não se pode fazer um debate sem considerar o que foi posto no Plano Municipal de Educação, sancionado pelo prefeito Guilherme Menezes. A gente não pode partir do nada”, afirmou. Para Geanne, as metas traçadas no PME são um ponto de partida importante para novas colocações.
A presidente do SIMMP também lembrou que o sindicato enfrenta dificuldades nessa questão. “Há uma questão drástica a ser tratada: nós temos professores que vão na segunda e voltam na sexta”, falou. Oliveira defendeu a realização de mais encontros para discutir o tema. “Mas, ela é muito importante para posicionar o debate”, detalhou.[caption id="attachment_10629" align="alignleft" width="300"] Fátima Moraes[/caption]A professora Doutora, Fátima Moraes, representando a Uesb, falou que o papel da universidade é dialogar com todos os setores da comunidade e abrir as portas para todas as classes, principalmente a trabalhadora. “O ensino superior é elitizado e dificulta a entrada do trabalhador nas universidades e discussões como essas são oportunidades para mostrar a comunidade que estamos lutando para essa realidade ser mudada”, afirmou. Fátima lembrou que em alguns momentos “percebemos que estamos sozinhos, porque lutamos para que a classe trabalhadora esteja com a gente, precisamos nos unir com os sindicatos, com as classes”. Ela disse que apesar das conquistas, ainda é tudo muito pequena a garantia desses acessos. Disse que a educação no campo deve ser permanente e diferenciada da educação da cidade. Ela disse que 49 escolas do campo foram fechadas em conquista. “Estamos em uma sociedade em que pessoas vêm de culturas diferentes e teremos opiniões diferentes”, esclareceu. Por fim ela disse que “não podemos ver educação no campo somente como educação, porque envolve muita coisa”.
[caption id="attachment_10630" align="alignright" width="300"] Edna Azevedo[/caption]Representando o Conselho Municipal de educação, a professora Edna Azevedo reconheceu a falta de uma educação que atenda às necessidades das pessoas do campo, observando às suas necessidades e especificidades. Ela justificou que a falta de estrutura no campo é fruto da postura política de valorização das áreas urbanas adotada durante o Governo de Juscelino Kubitschek. Edna disse ainda que, como professora da Rede Municipal de Ensino, não poderia deixar de falar de um pequeno trabalho iniciado em 24 de março de 2015 quando Vitória da Conquista aderiu ao Projovem do Campo, que veio para a cidade através da adesão da Secretaria Municipal de Educação. “É um trabalho pequeno que está dando frutos”, disse a representante do Conselho de Educação.
[caption id="attachment_10631" align="alignleft" width="300"] Shirley Lauria[/caption]A representante da Secretaria Municipal de Educação, Shirley Lauria, ressaltou que a educação no campo é uma garantia legal, prevista na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). A educadora sublinhou o trabalho da secretaria que, em 2006, chegou a elaborar uma proposta pedagógica específica para o campo. Segundo ela, o projeto ambicionava dissipar a dicotomia campo X cidade, em que o urbano é considerado superior ao rural. Em 2010, outra proposta foi elaborada pela Secretaria de Educação e revisada por autoridades no assunto, mas não chegou a ser implementada. “De quando eu entrei na Secretaria de Educação, que foi em 2009, até o momento mais de 40 escolas se fecharam no decorrer desse percurso. Então, hoje funciona a escola geograficamente localizada no campo, mas sem uma política, sem uma proposta pedagógica pensada especificamente para essas escolas. O que é reproduzido lá é o ensino urbano, dando continuidade ao currículo, respeitando a base nacional comum, e sem inserir, para contemplar a realidade da educação no campo, disciplinas que venham a atender a sua parte diversificada”, explicou.
[caption id="attachment_10632" align="alignright" width="300"] Arlete Ramos[/caption]A professora Doutora Arlete Ramos, representando a UESC, disse que a educação do campo surgiu como luta do trabalhador do campo para garantir seus direitos e hoje “estamos buscando construir os direitos do camponês em seu local de origem”. Ela lembrou que educação do campo exige a participação do sujeito no processo construtivo. “Encontros como esse ajudam a construir a educação do campo, levando em consideração os seus interesses e é disso que precisamos aqui em Vitória da Conquista”, clamou. Arlete disse que a constituição diz que a educação é formação para o trabalho e da cidadania: “se é formação para o trabalho, vamos estudar a linha de interesse de cada um e o trabalho do homem do campo. E as escolas estão trabalhando os interesses do homem do campo?”, indagou, dizendo que “é preciso levar em conta os interesses do homem do campo e não é só a secretaria municipal que tem que pensar isso, tem que ter a participação do sujeito e não devemos aceitar o que vem pronto da secretaria”. Ela lembrou que quando o vereador Cori estava na secretaria de educação foi feito uma pesquisa sobre investimentos para educação no campo e “naquele momento já se fazia necessário uma proposta educativa que se valorizasse a vida camponesa. Esta na hora de se mobilizar como entidades sócias e não ficar só esperando o governo fazer pra gente”, concluiu.
[caption id="attachment_10633" align="alignleft" width="300"] Professor Cori[/caption]O presidente da Comissão Parlamentar de Educação da Câmara Municipal de Vitória da Conquista (CMVC), Professor Cori (PT) lembrou que até pouco tempo a educação do campo sofria sérias dificuldades. “Nós não tínhamos os famosos ginásios, nem sequer sonhávamos com escolas de ensino médio”, recordou ele. Atualmente, disse o vereador o desafio é representado pelas questões que promovem o distanciamento. “Nós temos muitas questões que promovem o nosso distanciamento: carga horária de trabalho, cada um de nós vai cuidando de seu quintal. Em que momento nós vamos promover a aproximação dessas distâncias para promover a convergência? O maior problema agora é esse”, apontou Professor Cori.
O parlamentar apontou que a Comissão de Educação da Câmara tem o desafio de voltar a esse debate, propondo uma discussão com as secretarias de educação do município e do estado, com as universidades e sindicatos docentes a fim de encontrar as soluções para os problemas enfrentados pela Educação. “Nós ainda não temos solução, mas coletivamente nós podemos fazer mudanças significativas”, disse o vereador.[caption id="attachment_10634" align="alignright" width="300"] José Ronaldo[/caption]Para o representante do MST, José Ronaldo, Conquista não possui um só escola na zona rural que apresente uma experiência exitosa de educação no campo. Segundo Ronaldo, “os verdadeiros heróis desse processo” são os professores que enfrentam diversas dificuldades, mas que efetivamente contribuem para a permanência dos jovens no campo. Ele ressaltou que a educação no campo é uma questão de vida ou morte. “Quando a juventude não consegue ter um espaço no campo de vida digna, e vida digna compreende uma escola de qualidade, essas pessoas procuram os grandes centros e sabe lá Deus o que vai acontecer. Aí vão fazer parte das estatísticas”, falou. José Ronaldo afirmou que a temática apresenta alguns desafios: os movimentos sociais devem lutar para a implantação do Fórum da Educação no Campo; a Câmara deve se esforçar para transformar as demandas apresentadas em lei; e o Executivo deve elaborar políticas efetivas para esse segmento com escolas com melhor infraestrutura e um currículo bem definido. Em sua fala, ele sublinhou que a educação no campo é um direito dos trabalhadores e um dever do estado.
[caption id="attachment_10635" align="alignleft" width="300"] Jocione Prado[/caption]Jocione Prado do conselho tutelar rural disse que muito a preocupa quando se fala em metodologia da educação do campo. “Temos 200 distritos e estamos passando dos 300 povoados e nos preocupamos com a urbanização do campo”, disse. Ela lembrou ainda que “nossa função é cobrar ações no campo e vamos cobrar”. Leu partes do Estatuto da Criança e do Adolescente que garante o direito da escola a todas as crianças e ressaltou que na zona rural, ainda não é totalmente coberta pela cultura, esporte e lazer. “Quando temos acesso a urbanização, queremos vivenciar tudo isso, por isso faço um apelo a secretaria de cultura, esporte e lazer para nossas comunidades rurais”. Se mostrou preocupada com o índice de evasão escolar na zona rural e falou que “temos que defender políticas de garantir na totalidade, não da pra fingir que estamos fazendo alguma coisa”.
[caption id="attachment_10636" align="alignright" width="300"] José Carlos[/caption]O membro do Conselho Regional de educação, José Carlos, apontou que, de acordo com estudos da área, não existe educação do campo, mas educação no campo, já que em geral as escolas na zona rural seguem os mesmos princípios da educação urbana. “A educação do campo precisa surgir da cultura local”, defendeu ele, argumentando que os elementos culturais de cada região precisam ser levados em conta nas matrizes educacionais. Ele destacou a importância da formação de um Fórum da Educação e desejou sorte a Vitória da Conquista na constituição desse fórum.
[caption id="attachment_10637" align="alignleft" width="300"] João Pascoal[/caption]O representante do Fórum Estadual de Educação no Campo, João Pascoal, ressaltou que a educação do campo é transpassada por inúmeros outros temas relevantes como as disputas pela terra, a migração forçada de pessoas do campo para as cidades em decorrência da falta de oportunidade, violência, crimes ambientais e agronegócio. João sublinhou que a Bahia é recordista no fechamento de escolas no campo: só em 2014 foram 872 escolas fechadas no estado, isso num universo nacional de 4.084 escolas do campo que encerraram suas atividades. Pascoal defende uma atuação rigorosa de movimentos sociais e entidades como os conselhos municipais de educação como tentativa de interromper esses fechamentos.