20/11/2014 11:00:00
Na manhã desta quinta-feira (20), a Câmara Municipal de Vitória da Conquista realizou sessão especial em celebração ao Dia da Consciência Negra. Várias personalidades e representantes da cultura negra do município e região prestigiaram o evento, que debateu, entre outras coisas, a promoção da igualdade racial e o combate ao racismo.
O presidente da Câmara, Fernando Vasconcelos (PT), na saudação de boas vindas, falou da importância da sessão especial em homenagem ao Dia da Consciência Negra, que integra o calendário oficial da Casa. “Para nós é uma grande satisfação receber os representantes da cultura afro na Casa do povo”.
Na abertura da sessão, o grupo Arte e Movimento Capoeira-Escola, conduzido pelo mestrando Lázaro Vieira ‘Dendê’, fez uma apresentação de capoeira, mostrando a atividade como expressão cultural caracterizada por seus movimentos ágeis e harmoniosos, utilizando principalmente os pés e a cabeça. O berimbau, instrumento que dita o ritmo e o estilo do esporte, compôs o quadro.
Representando a Câmara Municipal, o vereador Júlio Honorato (PT) destacou que 20 de Novembro – Dia Nacional da Consciência Negra – tem como simbolismo maior a figura de Zumbi dos Palmares, morto em 1695, aos 40 anos, no Quilombo dos Palmares, em Alagoas. “Nesta data, incorporamos Dandara e tantas outras figuras que lutaram pelo povo negro, concentramos o nosso repúdio à discriminação, ao preconceito racial e renovamos nossos esforços em lutar por mais justiça social e igualdade de oportunidades”.
Ainda, conforme Honorato, a população negra traz na memória a inscrição de anos de escravidão, refletida na sociedade até os dias atuais, por meio de racismo, preconceito, violência e discriminação. “A renda inferior do povo negro e o índice de jovens negros mortos na periferia são o que mais nos assusta”.
Em nome dos movimentos populares, como o MST, no qual atua, Júlio Honorato saudou a resistência e a atuação política da Coordenação das Entidades Negras (CEM), o Movimento Negro Unificado, o Fórum de Entidades Negras, todos os terreiros que expressam a religião de matrizes que guardam as nossa memória, entre outros.
“O intenso debate dos movimentos sociais possibilitaram inúmeras consultas nos governo Lula e Dilma, como a política de cotas nas universidades públicas, nos concursos do poder executivo, a criação da Secretaria de Políticas de Promoção e Igualdade Social, em Brasília, a Sepromi, na Bahia, o Estatuto da Igualdade Racial, a Lei de Combate ao Racismo, o reconhecimento dos territórios quilombolas”, disse, acrescentando que Vitória da Conquista também avançou nas políticas públicas, com a criação do Conselho de Igualdade Racial, cursinho pré-vestibular para estudantes quilombolas, entre outras.
“A luta continua, porque precisamos avançar nas políticas públicas de inclusão para que o povo negro saia da invisibilidade e passe a ter mais oportunidades, menos violência e discriminação, mais políticas públicas, menos preconceito racial e cultural, viva o 20 de Novembro, viva os movimentos sociais, viva Zumbi dos Palmares!”.Coordenador de Políticas Públicas de Promoção da Cidadania e Direitos LGBT, Danilo Bittencourt disse que a batalha pelo respeito à cor e à identidade de gênero é intensa em todo o país e que Vitória da Conquista precisa ter um novo olhar para esse público que enfrenta preconceito e racismo. “Homofobia nesse país tem cor e idade, a maioria dos que morreram na periferia de Conquista, em 2014, era jovem e negro, temos que olhar para a identidade sexual das pessoas que vivem nesse país, precisamos avançar em todas as políticas públicas, a prefeitura de Vitória da Conquista sai na frente quando cria um conselho com cadeira para LGBT, contribuindo para que a sociedade comece a se educar no quesito raça e cor”.
Representante das religiões de Matrizes Africanas, Ana Paula Soledade fez um apelo de inclusão à sociedade, destacando a forma como os pais de santo são tratados por uma parcela da população. “Nós não somos diabos, nós propagamos uma fé milenar, o nosso berço é a África; para nós, 20 de Novembro é um dia comum, porque para quem é negro, para quem vive das cosias que os negros trouxeram da África, não existe só um dia, e sim todos os dias, nosso grito é para que sejamos vistos de fato, para que não sejamos olhados como excêntricos quando usamos nossos acessórios, também acreditamos em Deus, porque ele é o senhor de tudo, mas não queremos ser tratados como subsequentes, subjugados”, disse.
Ainda, conforme Soledade, a exclusão das religiões de matrizes africanas é tão grande que todos os terreiros de candomblé estão nos arredores da cidade, não existe um único no centro, por alegação de que eles fazem barulho. “E as igrejas não fazem? Nossos tambores louvam por todos os orixás, temos na África um panteão com mais de 400 orixás, no Brasil cultuamos apenas 16. Não fazemos lavagem cerebral, ao contrário do que alguns dizem, muitas pessoas não conhecem a essência de um terreiro, a forma como vivemos, quando alguém procura um terreiro é porque precisa, nesse local ela encontra amor, carinho, sentimento de família, daí a nossa luta por inclusão”.O Mestre Antônio Acordeom, representante do Conselho de Mestres, disse que é uma honra representar a capoeira, uma das raízes africanas, e relembrou nomes como o de Manoel dos Reis Machado, também conhecido como Mestre Bimba, criador da Luta Regional Baiana, mais tarde chamada de capoeira regional.
Para Mestre Acordeom, Vitória da Conquista é um celeiro de capoeiristas angoleiros e regionais, e tem à frente nomes importantes, a exemplo do Mestre Bel, um dos mais velhos da cidade, pioneiro e fundador da capoeira na cidade desde 1960, e o Mestre Adjovan Couto, que muito lutou pelo reconhecimento da capoeira. “Não podemos deixar de agradecer hoje ao prefeito Guilherme Menezes, que deu condições para o desenvolvimento da capoeira em Conquista e aproveitamos para solicitar a esta Casa, a aprovação do Espaço Cultural de Arte e Capoeira de Vitória da Conquista, para que possamos vivenciar e divulgar a capoeira como ela merece”.Representante da Igualdade Social, o professor Ademar Cirne Filho iniciou seu pronunciamento pedindo permissão para Exu, o Orixá que abre os caminhos e permite a comunicação, e lembrou a história de Zumbi dos Palmares, grande líder negro que foi criado por um padre, aprendeu o latim fluente, mas não resistiu ao rufar dos tambores, fugindo e transformando a cruz em espada, para reconstruir a vida que os negros tinham na África. “Hoje comemoramos a resistência expressada desde quando os negros eram colocados nos navios negreiros e passavam a viver a grande noite, ajudados pela ancestralidade de seus orixás, assim resistimos e chegamos até aqui, mas precisamos pensar numa forma de pressionar o Congresso para votar o fim dos autos de resistência, modificando a lei que permite o assassinato de negros nas periferias, e que todos os crimes contra a juventude negra possam ser investigados, vamos transformar o Dia 20 de Novembro numa bandeira de luta”.
Representante do Conselho de Promoção da Igualdade Racial/COMPPIR, Uelber Barbosa salientou que 2014 se destaca por ações importantes na promoção de políticas públicas de igualdade, com a assinatura de convênios e a elaboração do Plano Juventude e Vida, que combate o extermínio da juventude negra no Brasil e em Vitória da Conquista. “Para nós, este é um ano especial, porque conseguimos aprovar um importante projeto na Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Social do Governo Federal, para combater a violência contra o negro, enquanto estamos aqui debatendo, cerca de 100 jovens negros estão morrendo no país, portanto, 20 de novembro não é apenas o Dia da Consciência Negra, é dia de reflexão”, salientou, acrescentando que Vitória da Conquista perde por semana cerca de cinco jovens negros da periferia. “Em 2012, Conquista ocupava a 12ª posição em assassinato de jovens negros no país, hoje é a 54ª, não podemos permitir que a juventude negra continue sendo exterminada, seja pelo tráfico ou por qualquer outro motivo”.
Nelson Quilombola, representante do Conselho Quilombola, destacou a importância da data e da sessão em reconhecimento à grande contribuição do negro ao desenvolvimento do país. Em seguida, informou a determinação do Incra para que em 2015 sejam feitas várias regularizações fundiárias no Território de Vitória da Conquista, e que o órgão vai devolver ao Quilombo do Velame, as terras adquiridas por fazendeiros. “De segunda até quinta-feira, o Incra dará início à regulamentação fundiária das localidades de Oiteiro, São Joaquim de Paulo (Capinal), Laranjeira, Ribeirão dos Paneleiros e Lagoa de Melquíades”.
Ainda, conforme Quilombola, Vitória da Conquista tem mais de 100 jovens quilombolas em vários cursos nas universidades públicas, graças à parceria com o governo municipal e à luta dos movimentos sociais. “Peço aos vereadores que se debrucem sobre o projeto das cotas no concurso público, várias prefeituras já aprovaram essa importante lei”.O coordenador da Juventude da Prefeitura Municipal, Rudival Maturano, ressaltou a importância de celebrar o Dia da Consciência Negra, de fortalecer os movimentos sociais e de combater o extermínio da juventude negra. “O Juventude Viva é um movimento importante, por isso vamos chamar os representantes de todas as entidades, as autoridades e a sociedade civil de modo geral para dialogar a situação e a partir da problematização, observando os pontos negativos e positivos, propor soluções para reduzir e resolver o problema do extermínio de jovens negros”, disse, aproveitando para convidar a população para o primeiro fórum da juventude que será realizado na paróquia do Bairro Alto Maron.
Para o secretário de Desenvolvimento Social, Miguel Felício, a luta pelo fortalecimento da promoção da igualdade racial é importante e o prefeito Guilherme Menezes tem abraçado a causa, criando mecanismos para adoção de políticas públicas de inclusão da população negra e combate a todas as formas de preconceito, seja de cor, sexo ou qualquer outra, como a criação da Coordenação da Promoção da Igualdade Racial.
“Antes, o setor de promoção da igualdade racial funcionava na nossa secretaria, mas está passando por transição e ficará diretamente ligado ao Gabinete do Prefeito, é uma luta antiga dos movimentos sociais, o governo vem apoiando ações importantes, como o acesso à educação superior, por meio de cursinhos pré-vestibular, como o Dom Climério e o Quilombola, mantidos com alguns professores da rede municipal, ajuda na manutenção da Casa do Estudante em Conquista, ligado ao cursinho Dom Climério, entre outras”.
Homenagens - Durante a sessão, foram homenageados com o Troféu Zumbi dos Palmares, algumas personalidades que se destacam no combate ao racismo e difundem a cultura negra em Vitória da Conquista. São elas:
Dona Alzira Conceição de Jesus, natural da localidade Riacho de Teófilo, neta de Maria Clemência. Aos 103 anos, Dona Alzira tem 13 filhos, 61 netos, 130 bisnetos e 35 tetranetos.
Mestre Zelito da Bahia – representado por Dendê
Mãe Fátima de Xangô, representada por Cota – Terreiro das Pedrinhas
Agnaldo Nascimento Souza – Guina – servidor público municipal
Manoel Sarará – representado pelo mestre Amazonas
Professora Denise Ventura
Deusdete de Jesus Oliveira – Detão
Por Bia Oliveira / ASCOMCV