30/10/2014 18:00:00
Por iniciativa do mandato do vereador Gilzete Moreira (PSB), a Câmara Municipal de Vitória da Conquista promoveu nesta quinta-feira (30), às 15h, no Plenário Carmem Lúcia, uma audiência pública para debater o Projeto “Escola Sem Partido”. O PL 19/2014 veda, no âmbito do ensino público municipal de Vitória da Conquista, a prática da doutrinação política e ideológica em sala de aula, bem como a veiculação, em disciplina obrigatória, de conteúdos que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos estudantes ou de seus pais.
O PL prevê que no exercício de suas funções, o professor não poderá abusar da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente político-partidária, nem adotará livros didáticos que tenham esse objetivo; também não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, religiosas, ou da falta delas.
Segundo Gilzete Moreira, o projeto tem a finalidade de instrumentalizar alunos e pais contra a manipulação política, ideológica e partidária no espaço escolar, pois as leis educacionais garantem o direito ao professor de ensinar e, aos alunos, a liberdade de consciência, o direito de aprender e de terem respeitados os valores culturais trazidos de casa. “Esse é um assunto de muita importância para todos nós, por isso convidamos todos representantes de todos os segmentos sociais, a exemplo da maçonaria, Direc 20, Igreja Católica, prefeitos e vereadores da região, pois não se trata de movimento de denominação evangélica”, afirmou, acrescentando que a audiência foi promovida para sanar dúvidas e indagações da comunidade e da Comissão de Legislação, Justiça e Redação Final.
Para palestrar sobre a doutrinação nos livros didáticos foi convidado o professor do ensino fundamental de Goiânia, mestre em Letras e Linguística e mestrando em Estudos Teológicos, Professor José Orley da Silva. Ele é pesquisador de livros didáticos e trabalha com crianças e adolescentes de 8 a 15 anos, em escolas periféricas. Segundo o professor, ao longo de suas pesquisas ele encontrou diversas situações de doutrinação nos livros didáticos e que todos os governos valeram-se desse recurso para doutrinar a sociedade a partir da escola. “Muitos professores têm lutado para que não haja direcionamentos políticos-pedagógicos, porque os livros vêm com forte carga doutrinária, não temos como compreender isso sem entender a escola da teoria crítica de Frankfurt, que avalia a sociedade, a família, o indivíduo, o gênero, de acordo com a ótica marxista, pregando a homogeneização do pensamento político”.
O professor citou em sua palestra pesquisa com o tema “Educação ou Doutrinação?”, realizada pela CNT e pelo Instituto Sensus, que perguntou a professores, alunos e pais qual o verdadeiro papel da escola, que tipo de cidadão é formado pela escola, se a escola contribui para a formação profissional, entre outros.
Para ilustrar sua fala, ele apresentou trechos de vários livros didáticos, um deles, de Língua Portuguesa, na parte de expressão oral, faz referência ao modo de falar em público, citando o ex-presidente Lula como modelo. “Desde o 6º ano, o aluno vai se identificando com as figuras da esquerda brasileira e latino-americana”. Outro livro com o mesmo conteúdo de oratória traz na ilustração a figura de Fidel Castro. Outro livro do 6º ano, lançado no início deste ano, tem um texto que precede a uma charge falando da importância da pessoa ser decidida na vida, de se posicionar, e a ilustração da charge traz um muro, a ex-presidenciável Marina Silva está na parte central do muro, vestida de verde, sem saber que decisão tomar; José Serra (PSDB), do lado direito do muro, também está indeciso, passando a ideia de que Tucano é indeciso, e do lado esquerdo, a presidente Dilma Rousseff (PT), bem caracterizada e decidida. “Esse livro chegou para a escola pública no início do ano, quando o cenário político ainda não estava decidido, Marina tentava ser candidata pelo seu partido, José Serra era um candidato em potencial do PSDB, Dilma, candidata à reeleição”.
Outro exemplo apresentado traz a visão de uma família tradicional, composta de mãe, pai e filhos, e do atual formato de família, que traz o casal homoafetivo como modelo de família. “Esse livro é destinado a crianças de oito anos de idade, que fazem parte do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), um programa maravilhoso, como tratar questão de gênero com crianças dessa idade?”, questionou, acrescentando que a sugestão do autor é que o professor forme grupos de três a quatro alunos para que eles possam sair às ruas do bairro com cartazes para conscientizar as pessoas sobre o preconceito de gênero.
Fundador da Organização Escola Sem Partido, o advogado Miguel Nagib, procurador da Prefeitura de São Paulo, fez esclarecimentos a respeito do projeto. Segundo ele, essa é a primeira audiência pública realizada no país para tratar desse PL que institui o Programa Escola sem Partido. “Criamos um anteprojeto de lei que pode ser aproveitado pelos municípios ou pelos estados, esse projeto já foi apresentado na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, de São Paulo, Joinville e Curitiba, e está se espalhando por todo o país”.
O advogado esclareceu que a doutrinação nos livros didáticos é apenas a “microponta” de um gigantesco iceberg. “A gente só sabe o que acontece de ruim quando a tubulação do esgoto vaza, na sala de aula é assim, o espaço escolar é protegido por uma cortina de segredo, o professor faz o que bem entende na sala e quem poderia condená-lo não tem experiência para isso, porque está numa condição vulnerável, o que Orley mostrou é apenas uma ideia da gravidade da doutrinação político-ideológica existente nas escolas”, afirmou.
De acordo com Miguel Nagib, o Projeto de Lei 19/2014 não cria direitos novos, apenas exemplifica os que não estão sendo obedecidos em salas de aula, ou vem sendo desrespeitados em todo o país, desde a pré-escola até as universidades. “O PL garante o cumprimento dos princípios constitucionais, a liberdade de aprender do estudante, de se expressar, o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral e religiosa dentro de suas próprias convicções, estabelece a obrigação de o poder público adotar medidas para que as garantias constitucionais sejam respeitadas”, salientou acrescentando que a matéria está compreendida na competência legislativa do município e se estende às escolas particulares, ficando as estaduais e federais isentas, pois não fazem parte da competência do município. “A lei se baseia nos princípios jurídicos da neutralidade política e ideológica do estado, tendo em vista que a prática da doutrinação político-ideológica é uma afronta ao regime democrático, desequilibrando o processo político em favor de determinado candidato. O professor não pode usar a sala de aula pra promover as próprias concepções políticas e ideológicas, para tentar transformar os estudantes em réplicas suas, o professor não pode exercer o direito à liberdade de expressão em sala de aula, seu dever é exercer a liberdade de ensinar”.
O Procurador do Município de Vitória da Conquista e professor da Uesb, Erick Meneses, disse que os aspectos apresentados acerca do projeto merecem reflexão. “Sou professor da Uesb há onze anos e confesso que é difícil dissociar a nossa visão de mundo no ambiente escolar, o Estado já garante o pluralismo, a Constituição prega a crença em Deus, assegurando expressamente o reconhecimento a Deus, mas nós precisamos enfrentar essa questão na profundidade que tem de ser”.
O Secretário Municipal de Educação, Valdemir Dias, disse que o Projeto de Lei gira em torno da questão dogmática e ideológica, exigindo que o professor se isente de dar a sua visão de mundo. “Dentro da questão ética, essa lei não é necessária, pois o professor não pode fazer prevalecer a sua visão em sala de aula, seja ela marxistas, comunista, socialista ou de qualquer outra vertente, o espaço escolar é democrático, temos que debater o conhecimento, não podemos engessar nossos professores nessa questão; na sala, o professor é autoridade máxima e tem que trabalhar a consciência, provocar o debate no espaço acadêmico, o conhecimento tem que fluir, a escola lida com questões sociais, como homossexualidade e violência, e mesmo que o professor não leve o debate para sala de aula, a criança toma conhecimento por meio das mídias sociais. Dessa forma, sugerimos que o projeto seja debatido com a Câmara e com a sociedade, para tentar regular uma situação que não provoque aberrações de preferência político-ideológica”.
O pastor Antonio Sérgio parabenizou o vereador Gilzete Moreira e o autor do projeto pela iniciativa. “A matéria foi exposta e explicada de maneira objetiva, e nos possibilita fazer num recorte pertinente nesses dias de viés ideológico, exposto nos livros didáticos, não se pode fazer cooptação com o aluno na relação professor-aprendiz, li o projeto e assino embaixo”.
Para o vereador Florisvaldo Bittencourt (PT), os idealizadores do projeto, que queriam pregar a não-ideologia, apresentaram um discurso carregado de ideologia. “Só faltou pedir voto para o 45, eles demonizaram o Partido dos Trabalhadores, não falo aqui como Líder do Governo, mas não posso deixar de mostrar nosso ponto de vista acerca desse assunto; confesso que estou sentindo falta dos profissionais da área de educação nesta Casa, porque eles são autoridades no assunto e poderiam debater muito bem. Nós fazemos parte da Comissão de Legislação e Justiça e já debatemos esse projeto, é importante que se ressalte que do ponto de vista da legislação, a educação tem seus regulamentos próprios; quando falamos da neutralidade política e da pluralidade de ideias, entendemos que precisamos defender o espaço democrático sem tutelar o professor, pois ele trabalha com a construção da cidadania, a construção de uma sociedade democrática e política, não estamos aqui fazendo juízo de valor sobre moral e religião, e sim tratando de questões práticas e objetivas da sala de aula”.
Para o vereador Edjaime Rosa (PSDB), a Câmara tem o poder de discutir qualquer problema, por isso apresentou o projeto para apreciação da Casa e da sociedade. “Vamos analisar o projeto, caso seja valioso, será votado aprovado pela Câmara e sancionado pelo prefeito, do contrário será engavetado, temos aqui um momento de aprendizagem para todos nós”.
O vereador Arlindo Rebouças (PROS) disse que se alguém deve ser condenado sobre a doutrinação dos livros didáticos, com certeza não é o professor, pois o docente não elabora o livro didático, a responsabilidade é de quem manipula e faz campanha com o dinheiro público. “Essa lei que coloca a carga em cima do professor é como condenar a faca que entrou no peito de alguém e matou, ao invés de quem usou a faca, o professor recebe o livro didático e tem que dar o conteúdo, se há propaganda partidária é outra coisa. Deveríamos entrar com ação contra o Ministério da Educação, por campanha eleitoral antecipada”, disse, chamando a atenção para os artigos que compõem o Projeto de Lei.
Na opinião do vereador Ademir Abreu (PT), o Projeto Escola Sem Partido é redundante, pois, por lei, não se pode defender questões partidárias em nenhuma instituição, seja na escola, na maçonaria, nas associações, pois é considerado desrespeito aos princípios constitucionais. “Uma instituição pode ter pessoas de ideologias diferentes, porque cada cidadão tem seu próprio fundamento político, quando houve a febre amarela nas ruas, as pessoas não entendiam que precisavam se vacinar, foi necessário colocar o exército na rua para obrigá-las, a gravidez na adolescência precisa ser debatida no âmbito escolar, então, como não falar de sexo na escola”, salientou, acrescentando que muitas questões têm que ser tratadas no espaço educacional, até porque o professor não pode camuflar a realidade. “Eu sou evangélico, minha esposa é católica, mas nós vivemos muito bem, independente do nosso pensamento religioso”.
O vereador Coriolano Moraes Neto (PT) destacou que existe uma concepção mistura de matriz curricular, conteúdo e o papel da escola. “O papel da escola é de formação do cidadão dentro do estado laico, presente na LDB, na Constituição Federal e no Estatuto do Magistério e tudo que se tem sobre pluralidade e neutralidade política está presente no RJU; sobre a concepção da matriz curricular, precisamos separar o que se chama de base comum, que é o conteúdo obrigatório e formal, em que o aluno vai aprender de forma diversificada; no que diz respeito à orientação, os conteúdos são obrigatórios ou não quando se trata da parte religiosa, pois o aluno tem o direito de escolher ou de se matricular conforme a sua orientação religiosa”, explicou, complementando que o MEC envia a cada três anos, um conjunto de livros para que o professor escolha o que melhor se adequa ao perfil do aluno e do professor, e se algum livro traz a imagem de Lula, outros já trouxeram a dos ex-presidentes Fernando Collor, Fernando Henrique, Collor, entre outros. “A educação exige que o estado laico debata o tema, as pessoas têm capacidade de refletir, é claro que precisamos identificar a maturidade do aluno, mas não conseguimos compreender um estado em que a escola não debate conteúdo e informações, precisamos melhorar a concepção do tema”.
A palavra foi franqueada a várias pessoas do plenário. As opiniões divergiram, algumas contrárias ao projeto e outras favoráveis. Professor da rede estadual há 23 anos, João Rubens destacou que o tema debatido causou-lhe estranheza. “Sou casado há 29 anos, não tenho religião e deixo aqui uma reflexão sobre essa questão da tradição da família: será que o Padre Inácio de Loyola quando criou a Companhia de Jesus respeitou a tradição dos índios?”, questionou.
Professora da rede municipal há 28 anos, Janete da Costa Dias demonstrou indignação com o projeto. Ela ressaltou a existência das leis que regem o magistério, como o RJU, o Estatuto do Magistério, o Regimento Unificado das Escolas e a LDB. “Esta lei já existe e não é exclusiva ao professor, o projeto deve se estender a todos nós que estamos envolvidos na sociedade, estando em sala de aula ou não, me senti ofendida, isso é uma ofensa à nossa formação, à nossa consciência política, a nosso conhecimento, parece que não fazemos nada em sala de aula, sugiro ao secretário que fiscalize as escolas e se a lei não está sendo aplicada que instaure inquérito para apurar, porque não é justo que passemos por um momento de vexame em relação a essa proposta ridícula”.
O pastor Robson Viana parabenizou o autor do projeto e salientou que é favorável à aprovação não por sectarismo, mas por uma questão de cidadania. Segundo ele, o que tem sido levado para a escola pública é um absurdo em termos de doutrinação dos livros didáticos. “A questão aqui não é a visão de mundo, e sim a imposição, querer impor ideologia ao aluno, já que o professor tem autoridade para isso, para manipular as intenções e o pensamento, falou-se aqui sobre cultura africana, o que tem sido levado à escola não é a cultura, é a religião africana”.
Ivan Cordeiro, coordenador do Movimento Amigos de Conquista, mestre em Ciências das Religiões, lamentou a fala do vereador Florisvaldo Bittencourt. De acordo com ele, ao contrário do que o vereador disse, o projeto condena a postura partidária e ideológica, parabenizou o idealizador do projeto e disse que o brasileiro precisa de um país mais democrático e constituinte, algo que o PT é contra.
Lázaro Curvelo, representante da União Democrática Acadêmica (UDA), presente em oito estados brasileiros, afirmou que foi vítima da doutrinação ideológica e não entendia o porquê de estar diante de uma ideologia formatada e não poder expressar o contrário, mas que graças à sua avó, conheceu Roger Scruton, Russell Kirk e outros conservadores que, em paralelo a Karl Marx e a Antonio Gramsci, permitiram que ele tivesse uma visão mais ampla dos fatos que permeiam a sociedade.
“As pessoas não percebem a dimensão dessa revolução silenciosa que toma os espaços, aqui não se trata de imputar ideologia aos professores, essa discussão é em âmbito nacional, onde temos uma figura chamada Marilena Chauí, responsável pela produção dos livros do MEC e que difunde essa ditadura de opinião, na qual somos diminuídos enquanto cidadãos, imputando-nos a condição de elite branca, de preconceituosos, onde está o discurso do contraditório, da democracia? Lutamos pela liberdade, estamos num estado democrático de direito, o que acontece hoje nas escolas é inadmissível e a culpa é das diretrizes de ensino que vêm do alto, das metodologias, concordo com a postura de Arlindo Rebouças e deixo aqui a minha opinião favorável ao projeto”.A professora Arlete lamentou a ausência dos professores e o fato de o convite ter sido entregue ao Simmp apenas no dia anterior. Disse que pensar na escola laica é obrigação de todo professor e que quando a escola recebe livros didáticos com foco doutrinário, os educadores mudam a forma de trabalhar para não manipular o aluno, e que cabe à editora evitar a doutrinação nos livros, e não ao professor. “O discurso aqui é ideológico, e não doutrinário, nós não manipulamos nossos alunos como tem sido dito aqui, a gente trabalha com a questão da cidadania, nós convidamos os nossos alunos para ir à rua em favor da escola pública, contra a homofobia, em favor da pluralidade de ideias, não incitamos nossos alunos à baderna, nós precisamos ser professores de uma escola consciente e não partidária, por isso sugiro um debate mais aprofundado sobre esse projeto”.
Por Bia Oliveira