Câmara Municipal de Vitória da ConquistaAudiência PúblicaNotíciaMárcia Viviane Alexandre Xandó Chico Estrella
21/09/2021 21:53:00
Um dos brasileiros mais festejados nas áreas acadêmica e das políticas públicas, dentro e fora do Brasil, completaria 100 anos no dia 19 de setembro. Paulo Freire inovou com seus métodos de alfabetização e reflexões sobre o papel da educação para o desenvolvimento pleno do indivíduo. Sua obra segue sendo estudada, citada e utilizada em práticas educacionais em todo o mundo. O seu centenário foi festejado pela Câmara de Vereadores numa audiência pública ocorrida na noite dessa terça-feira, 21. A iniciativa foi proposta pela vereadora Viviane Sampaio (PT).
Natural de Recife, Pernambuco, Freire foi exilado político, perseguido pela Ditadura Militar, esteve na fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), participou do governo de Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo, na pasta de Educação, e, sobretudo, produziu uma extensa obra sobre educação que permanece viva como objeto de estudos científicos e também base para políticas públicas de educação. Paulo Freire faleceu em dois de maio de 1997.
Segundo Viviane Sampaio, “hoje é um dia de celebração, mas também de defesa de um nome, de uma história e de um legado. O educador Paulo Freire dedicou sua vida à educação e se tornou conhecido mundialmente graças à sua luta e sua entrega”. A parlamentar destacou a longevidade da memória do educador. “Paulo Freire vive! Mais que uma memória e um conjunto de livros, seu legado está estampado em cada escola brasileira, seja ela de qual nível for, pública ou particular, estadual, municipal ou federal”, afirmou.
Durante a audiência, foi exibido um vídeo com falas de Freire e também depoimentos sobre educador e um outro material produzido e apresentado pela atriz e professora Adriana Amorim. Participaram da audiência: o Reitor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), Luiz Otávio Magalhães; a representante do Núcleo Pedagógico da Secretaria Municipal de Educação, Guacyra Costa; o presidente do Conselho Municipal de Educação, Marco Vinícius Pires; a professora do município e presidente do Simmp, Elenilda Ramos; o diretor regional da APLB Sindicato, César Nolasco; a estudante e vice-presidente da União dos Estudantes da Bahia UEB), Larice Ribeiro; o professor da Uesb e pesquisador da obra de Paulo Freire, José Jackson Reis; a pedagoga, professora da Uesb e coordenadora do Fórum Municipal de Educação, Talamira Brito; além dos vereadores Chico Estrella (PTC), Líder do Governo, e Alexandre Xandó (PT).
Freire deixou um legado estampado na educação brasileira – Marco Vinícius Pires afirmou que na perspectiva freiriana, a educação é vista como uma ferramenta de transformação da sociedade porque possibilita ao cidadão se tornar mais crítico e atuante sobre a própria realidade. O conselheiro citou a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para ressaltar a educação como um direito de todos e dever da sociedade. Para ele, a sociedade tem a missão de garantir educação de qualidade e professores capacitados. Pires frisou que Freire deixou um legado estampado na educação brasileira e parabenizou a vereadora Viviane pela iniciativa da audiência.
Em Freire, educação vai além da transmissão de saberes – Elenilda Ramos afirmou que “Paulo Freire foi um grande homem”. Ela ressaltou que para o aprendizado freiriano não pode faltar ao professor consciência de classe e compromisso social. Nesse sentido, a sindicalista apontou que a educação vai além da transmissão de saberes e os educadores são também responsáveis por transformar a realidade. Ela explicou que em sua prática pedagógica procura aplicar as ideias de Freire, entre elas o respeito à bagagem cultural do educando e a necessidade de estabelecer uma relação solidária entre professor e aluno.
Trabalho de Freire é voltado para a população mais vulnerável – César Nolasco também parabenizou a vereadora Viviane pela audiência. Ele disse que Paulo Freire é uma referência para a sociedade brasileira e para a educação no mundo. O professor frisou o fato de o educador ser bastante conhecido e estudado fora do Brasil. Nolasco observou o fato de o trabalho de Freire estar voltado para a população mais vulnerável, aquela com mais dificuldades de acesso à escola. Ele advertiu que o analfabetismo ou baixa escolaridade geram desemprego e subempregos, ao passo que a educação fornece as ferramentas para que os indivíduos transformem a sociedade para melhor. Para o sindicalista, a Ditadura Militar, instaurada em 1964, quebrou um ciclo de desenvolvimento que poderia ter revolucionado a educação brasileira.
“O ato pedagógico é também um ato de amor” – O vereador Alexandre Xandó (PT) leu um cordel de Tributo a Paulo Freire, de Juarês Alencar Pereira, e destacou um aprendizado freiriano - a educação como ato político. Para ele, a própria realização da audiência é um ato político e pedagógico, especialmente diante da resistência de um vereador em aprovar o evento. Xandó frisou que sua trajetória de aluno e agora de professor universitário segue a linha de Paulo Freire, obra na qual mergulhou. “O ato pedagógico é também um ato de amor”, disse.
Em sua fala, o vereador destacou que a vasta obra de Freire é estudada em vários locais do mundo e que o educador recebeu 41 títulos de honoris causa. Para Xandó, Freire é um exemplo de coerência entre obra e atuação. Ele lembrou que o educador ocupou cargo na gestão da prefeita Luiza Erundina, em São Paulo, na pasta de Educação, e lutou pela valorização dos professores. “Paulo freire fez da sua obra um ato insurrecional”, falou.
Discutir obra de Freire é fundamental neste momento – Larice Ribeiro trouxe um texto de Carlos Marighella, militante comunista, deputado eleito, morto pela Ditadura Militar. Ela falou da reflexão sobre a obra de Freire sendo estudante de Ciências Sociais, na Uesb, e se preparando para se tornar professora. Para Larice é importante discutir a obra do educador, especialmente num contexto de barbárie, caos e precarização da educação brasileira. Ela ainda citou Darcy Ribeiro, cientista social, para o qual a crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto. A estudante ainda questionou “por que incomoda tanto o pensamento crítico?” ao falar dos ataques que Freire vem sofrendo por segmentos da extrema direita da política brasileira.
Êxito na alfabetização de adultos fez de Freire alvo dos militares – O professor e pesquisador José Jackson Reis apresentou um relato sobre a biografia de Paulo Freire, como os impactos da perseguição imposta pela Ditadura Militar, em destaque o sentimento de silenciamento vivenciado pelo educador. José Jackson também relatou trechos de depoimento de Elza Freire, primeira esposa de Paulo, entre eles a que ela fala que sentia não retornaria do exílio imposto pelos militares. O professor avalia que a experiência exitosa de Freire no Plano Nacional de Alfabetização, na década de 1960, o levou a ser considerado um subversivo perigoso pelos militares. “Ele passou mais de 70 dias preso, porque lutou para alfabetizar, criticamente, pessoas adultas no Nordeste brasileiro e desejava continuar esse processo em todo o país”, afirmou.
Em sua fala, o pesquisador apontou que a obra “A Pedagogia do Oprimido” está entre os cem primeiros livros mais consultados no banco de dados “The Open Syllabus Project”, que inclui mais de um milhão de programas de universidades de língua inglesa dos últimos dez anos. Já no Google Scholar, a obra é, no mundo inteiro, a terceira mais citada no campo das ciências sociais. São dados que José Jackson apresentou para demonstrar o alcance do pensamento do autor.
Freire esteve em Vitória da Conquista, em 1983, tendo sido entrevistado pelos professores José Duarte, Zé Raimundo e Elias Dourado, para uma revista da Universidade Estadual da Bahia (Uneb). João pondera que “Paulo pensava as realidades, os desafios do seu tempo presente e as possibilidades de superar tais desafios, refletindo, criticamente, as práticas, a sua própria vida. É um autor e intelectual do povo, com povo. Por ele e com ele lutou”. Para o pesquisador, a audiência “é ato de resistência, de (re)existência, de esperançar como atitude de luta cotidiana”.
Freire foi um educador do amor – Guacyra Costa afirmou estar feliz em fazer parte da homenagem ao patrono da educação brasileira. Ela frisou que ser educador numa perspectiva progressista é aprender a conviver com as diferenças e estimular a amorosidade aos educandos, numa práxis da amorosidade. A educadora avalia que Freire “transformou a educação numa estratégia de mudanças, valorizando a alfabetização como direito de todos”. Pela sua obra, Freire deu voz aos oprimidos, “motivos que nos fazem lembrá-lo como o homem do amor”. “Narrar as suas nuances existenciais e viver o seu dia, talvez, seja a forma mais precisa de lhe atribuir o devido valor e festejar a vida, mesmo vivendo tempos nefastos, disse.
Origem das críticas a Paulo Freire – Luiz Otávio Magalhães, Reitor da Uesb, destacou que Paulo Freire é, possivelmente, o intelectual brasileiro de maior impacto no país e no mundo. É o mais condecorado e citado, sendo referência para o pensamento educacional e também para a área das políticas públicas de educação. O Reitor refletiu sobre o fato de Freire, apesar de ser quase uma unanimidade acadêmica, é também uma figura que incomoda variadas pessoas, em ambientes diferentes.
Otávio explica que Freire “não gostava de coisas mal esclarecidas” e que para ele, o pensamento crítico era central, o que o levou a uma vida de coerência entre o que defendia e as suas práticas. O Reitor ainda lembrou que um dos motivos de críticas ao educador é o fato de ele ter sido filiado ao Partido dos Trabalhadores, sigla que ajudou a fundar no início dos anos 1980 e também na qual ocupou funções.
Para Luiz Otávio, Freire “poderia ter sido qualquer coisa, menos um doutrinador”, porque a maneira como ele pensava a educação exigia uma reflexão sobre os seres humanos e suas relações com e sobre o mundo. Freire entendia que existem limites para o pleno desenvolvimento da pessoa. Sendo assim, é preciso conhecer a realidade na qual educador e educando estão inseridos e atuar de forma crítica sobre os limites impostos por essas realidades. Otávio explicou que Freire se importava com as revoluções provocadas nos indivíduos por meio da educação, na forma deles se relacionarem com o mundo. “A educação muda as pessoas de várias maneiras”, falou.
Em síntese, o Reitor frisou que a ideia de uma educação para o desenvolvimento pleno da pessoa contida na Constituição Federal é um pensamento freiriano. E que este está presente em muitas escolas, universidades e outros espaços de aprendizagem, assim como ideias contrárias as de Freire. Para Otávio, as práticas sociais e políticas públicas que respeitam o indivíduo, sua realidade, e possibilitam ferramentas de emancipação propostas por Freire fizeram dele um inimigo da Ditadura Militar, um inimigo do sistema. Freire defendia “fornecer para as pessoas régua e compasso como diz Gilberto Gil”.
Freire perpassa toda trajetória na educação – Talamira Brito, coordenadora do Fórum Municipal de Educação, relatou a própria biografia, ressaltando a importância de Paulo Freire na sua formação em Pedagogia e no desenvolvimento de sua trajetória na área da educação. Ela frisou que além de uma contribuição para sua formação, Freire a levou a se perceber como mulher, negra, de classe trabalhadora e sobre as dificuldades que enfrentou para ingressar num curso superior de baixa concorrência não pelo amor à Pedagogia, mas pela estrutura social e econômica que limita ou impede oportunidades à população empobrecida.
Em sua fala, a coordenadora informou que será realizada uma Conferência Municipal de Educação, nos dias 29 e 30 de novembro.
Críticas a Freire são fruto de radicalização política – O vereador Chico Estrella (PTC), Líder do Governo, parabenizou Sheila Lemos (DEM) pelo convite a Edgard Larry para ocupar a pasta da Educação, diante dos compromissos da área. Estrella parabenizou a vereadora Viviane pela iniciativa em homenagear o “ícone Paulo Freire”. Ele destacou o método de Freire que alfabetizou milhares de pessoas. O vereador também criticou a radicalização na política. “Esquerda e direita, hoje, em nosso país, só existem em placa de trânsito”, falou.
Estrella lamentou as críticas destinadas a Freire, inclusive com palavras de baixo calão. Ele avalia que são fruto dessa radicalização. O vereador afirmou que gostaria de votar em nomes que não fazem parte da radicalização política. Estrella criticou o caráter opinativo da imprensa. Para ele, o setor deve apenas noticiar. “Imprensa vendida, comprada, é muito prejudicial”, falou. O edil finalizou lembrando uma frase de Paulo Freire: “Quando a educação não é libertadora o sonho do oprimido é opressor”.